Encrespando

"Encrespar", na minha terra, dá a ideia de incômodo, de indignação, de alguém que deu um salto de seu lugar de conforto por algo que o incomodou. Já "alisar" é usado com a conotação de quando alguém é condescendente com algo.
Encrespo e não aliso! é um blog feito para relatar o incômodo do racismo em nossa sociedade, especialmente manifesto pela mídia e literatura voltadas ao público infantil. Sem condescendências.
Minha filha me ensinou, desde seus primeiros movimentos, a concentrar a energia de criação e a buscar a gênese. Sim, pretensiosamente, hoje, tenho um alvo mais profundo que as raízes do racismo: a sua semente. Para que não fecunde os corações das novas pessoas, dessas crianças que são nossos filhos e filhas; para que não dê mais frutos, aquelas sementes não podem mais encontrar solos férteis para renascerem racismos no mundo.
Estou mais silenciosa, mas a mente fervilha, tendo em sua grande tela a imagem de um jardim de flores multicoloridas.

quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Hospital Santa Joana: como desencrespar e alisar desde cedo


Então essa linda menininha, que certamente foi fotografada com o intuito de mostrar ao mundo sua fofura black, aparece no blog do Hospital Santa Joana (de São Paulo, ou de onde for... Hospital e Maternidade Santa Joana é como surge no site) para se tratar de... alisamento de cabelos de crianças.
Sim. O problema em questão são crianças que nascem "com cabelos crespos ou rebeldes demais". Isso, sabemos, é um problema do racismo - não nosso. Na necessidade racista bem brasileira de ocultação dos elementos negros nas pessoas, o cabelo vem sendo, com a repressão racial, a parte do corpo negro mais atingida, por ser mais moldante, através de alisamentos, no caso de mulheres, e redução radical, no caso de homens. Desde crianças, meninos negros geralmente tem seus cabelinhos praticamente raspados, e as meninas tem os seus repuxados, amarrados, o que for preciso para ocultar os crespinhos.
Ora, direis, serão então os próprios negros e negras que não aceitam seus cabelos. Querido(a) leitor(a), se em séculos a figura negra foi associada ao que é ruim - e "cabelo ruim" para cabelo crespo se tornou sinônimo em nossa sociedade com ideias de embranquecimento -, ao que é feio e indesejável, como isso não atingiria o autoconceito e a autoestima de pessoas negras? Certamente que atingiu, e certamente que o que o Movimento Negro brasileiro sempre fez foi resistir àquele discurso, mobilizando campanhas de autorreconhecimento, autoaceitação e elevação da autoestima negra. Negro(a) é lindo(a)!
E a menininha eleita pelo Santa Joana representa exatamente essa reação. Ela foi cuidadosamente arrumada para apresentar uma atitude de afirmação da beleza negra. Seu blackinho primorosamente ornado com uma fita amarela - quer mais belo?
Ainda assim, o texto prossegue numa naturalização da discriminação que é de surpreender, diante de tantas campanhas pela valorização da beleza negra. Diz que algumas mães recorrem ao alisamento "para deixarem as crianças mais bonitas". Solução recriminada, não por sua violência psicológica, mas pela ameaça química: "O formol não pode ser usado de jeito nenhum de acordo com a regulamentação da Anvisa. Porém, há opções de escovas que podem ser feitas nas meninas de pouca idade sem causar danos, tais como a Escova de Colágeno, à base de ácido glioxílico, e a escova à base de carbocisteína".
Tá lá, escrito assim mesmo. Em outras palavras, mães negras, façam escovas de colágeno em suas filhas negras pra elas ficarem mais bonitas, de cabelos lisos e comportados. Surpreende não terem indicado a idade mais apropriada para tratamento de clareamento de pele e plástica no nariz. Opa, melhor não dar a ideia.
Uma dessas é pra encrespar mesmo!

6 comentários:

  1. abominável. pediram desculpas e negam racismo.. mas continuam pensando assim

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    1. Pois é, Yohanna, eles sempre pedem desculpas pelo "mal-entendido" e negam o racismo... viu o caso da concessionária de ricaço? Do mesmo jeito.

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  2. Eu, negra, crespa ao natural, gerando uma menininha aki na minha barriga, não pude sentir menos que revolta ao tomar conhecimento desta postagem lamentável... E justamente, um dos fatores que me deixou mais triste foi terem usado a foto de meninas tão lindas e novas pra representarem a necessidade doentia de atender a esse padrão de beleza infeliz... Pedidos de desculpas não serão suficientes! Como podem ser tão superficiais e relevar a questão psicológica e opressiva da imposição e citarem "apenas" os males da química?

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    1. Quando somos mães a coisa é mais dolorosa, né não? Mas não percamos a alegria de resistir, And! Botemos o dedo na ferida e busquemos, sempre, a cura. Estamos seguindo em frente, lutando, e um dia o mundo será melhor.

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  3. Ah, o racismo cotidiano! Vontade de ligar nesse hospital e vou perguntar o que diabos eles tem na cabeça. E não parar de ligar até eles me responderem. E quero ver eles explicare direitinho, para uma pessoa que tem um afro gigante e que já sofreu muito nessa vida(na escola, no ballet) porque "bonito é liso".

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    1. Se vc perguntar o que eles têm na cabeça, Isabelle, capaz de responderem: "cabelos lisos e bonitos, claro!". Pela resposta dada na nota de esclarecimento, pra eles isso tudo é muito natural.

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