Encrespando

"Encrespar", na minha terra, dá a ideia de incômodo, de indignação, de alguém que deu um salto de seu lugar de conforto por algo que o incomodou. Já "alisar" é usado com a conotação de quando alguém é condescendente com algo.
Encrespo e não aliso! é um blog feito para relatar o incômodo do racismo em nossa sociedade, especialmente manifesto pela mídia e literatura voltadas ao público infantil. Sem condescendências.
Minha filha me ensinou, desde seus primeiros movimentos, a concentrar a energia de criação e a buscar a gênese. Sim, pretensiosamente, hoje, tenho um alvo mais profundo que as raízes do racismo: a sua semente. Para que não fecunde os corações das novas pessoas, dessas crianças que são nossos filhos e filhas; para que não dê mais frutos, aquelas sementes não podem mais encontrar solos férteis para renascerem racismos no mundo.
Estou mais silenciosa, mas a mente fervilha, tendo em sua grande tela a imagem de um jardim de flores multicoloridas.

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A doméstica ridícula, o malandro folgado: Zezé e Silas e o show do racismo continua


Esperei um pouco para escrever a respeito de Avenida Brasil. Como a assistia pouco, esperei poder assistir mais, analisar melhor, para falar sobre o assunto.Nos derradeiros dias, no entanto, em que venho assistindo diariamente o folhetim, só confirmei as impressões que, de longe, me vinham com os personagens negros da novela.
Pra começar, o núcleo negro é ínfimo na parada de sucesso. Os negros que se destacam são apenas Zezé, trabalhadora doméstica da mansão de Tufão, e Silas, dono de bar do bairro do Divino. Surge ainda um Herculano, também trabalhador doméstico da mansão (o motorista, se não me engano), que aparece de vinte em vinte capítulos, e um padre mentiroso e corrupto.
Vamos falar dos principais, portanto, a começar da personagem Zezé. Mulher negra, trabalhadora doméstica e o perfil preferido das domésticas globais: fofoqueira, interesseira, metida e, como dizemos no Nordeste, enxerida pra fazer graça. Em boa parte da novela, ressaltou-se por bajular desavergonhadamente a patroa em troca de alguma consideração ou trocado, atacando a heroína por pura inveja. Esta sim, a heroína, uma "doméstica" diferenciada. Culta, inteligente, conhecedora de gastronomia. Das vezes que Zezé quis fazer algo à altura, foi trapalhona e só demonstrou uma mais completa incompetência em sua profissão.
Ora, direis, mas a outra empregada doméstica é branca e também trapalhona, a Janaína. Mas, percebam: Janaína recebeu a carga dramática que a retirou do núcleo "doméstico", tendo sua própria casa, seu filho e, inclusive, uma outra trabalhadora doméstica para cuidar de sua casa. Boa lembrança: outra atriz negra, a empregada negra (também enxerida e fuxiqueira, diga-se de passagem) da empregada branca, quase ia me esquecendo dela.
Vamos colocar a cachola pra funcionar um pouquinho. Estereótipos puros esses que rodeiam a personagem Zezé - mulher negra - trabalhadora doméstica sem vida própria. Repetição pura do racismo noveleiro da Globo.
Se à mulher negra resta o papel da doméstica ridícula, ao homem negro, o que seria mais? Pois o eterno apaixonado por Monalisa, sempre lambendo o chão da loira dona de salão, ocupou aquele mesmo lugar de malandro folgado reservado aos negros. É só lembrar das vezes em que, fora do bar, Silas se jogava em casa no sofá, de pernas pro ar, pedindo comida e bebendo cerveja, enfurecendo Monalisa, Olenka e quem mais ousasse tê-lo como homem. Ah, falando nisso: apesar de preguiçoso, para respeitar o estereótipo, Silas é "quente" na cama, o que justificou muitas vezes a aceitação de Monalisa da sua presença cheia de ruídos, bebidas e jogos televisivos de futebol.
Não, nem pergunte que não vou falar aqui da novela Lado a Lado. Ainda não, está sob análise. Esse post é apenas um convite ao olhar crítico da novela de sucesso, Avenida Brasil, e seu show de estereótipos racistas. Entre tantas tortas ideologias repassadas(como a de justificar a violência contra a mulher, a adoção irregular - como se criança moradora de lixão fosse só passar e pegar "pra criar" - a ameaça de morte, e outras), a figura negra foi (re)colocada nos velhos papéis que disseminam, ainda e ainda, compreensões tortas sobre ela.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

Como eu não tive estômago para assistir... repasso o olhar de quem teve!

NA MORAL???
FALA SÉRIO!

Rosalia de Oliveira Lemos
Professora do IFRJ – Doutoranda em Política Social UFF

Quem sempre viu o Pedro Bial comandando o Programa Big Brother estava curioso em ver seu novo programa, o Na Moral, muito em função de sua trajetória como jornalista.
O que eu vi foi um Na Moral tendencioso e politicamente correto, para os que acusam pessoas que lutam contra estereótipos e preconceitos deferidos contra as mulheres e negros, veiculados no maior meio de comunicação do nosso país, a Rede Globo.
Quando tratou do assédio moral, chamou a vítima e um especialista para falar.
Quando discutiu o tema de assédio sexual, mostrou uma história com o final feliz entre o assediador e a suposta vítima, pois deu a maior ênfase no casamento, com direito à valsa e tudo!
Quando iniciou o bloco sobre Politicamente Incorreto, ao ouvir a análise de uma das convidadas sobre o tratamento dado às mulheres brasileiras no exterior, como “gostosas e popuzudas”, a interrompeu.
E ao dar o microfone para Alexandre Pires com seus macacos e mulheres popozudas não chamou ninguém. Foi às ruas e tratou o tema, na esfera do senso comum.
Ao anunciar seu Programa, falou sobre o desejo de fazer um programa de inteligência, no entanto deveria priorizar as versões, as outras falas. Todorov fala em entender o OUTRO. Ouvir as pessoas e entidades que deram início ao processo contra o clipe do referido cantor era imperioso!
Inteligência é digerir o adverso!
Alexandre Pires mais uma vez se fez de vítima, falou dos Dias das Mães, acredito que o artista deve expressar seu olhar diante à sociedade, mas NA MORAL? Faltou a fala do discordante, a diversidade no contexto do problema deveria ser preservada e priorizada.Nenhum militante negro foi convidado!
NA MORAL se anunciou democrático e comprometido em não repetir as mesmices ou clichês. Mas, pecou em muito, uma vez que foi tendencioso e assumiu apenas um lado da história e isso eu considero a face mais cruel da LIBERDADE DE IMPRENSA, a de invisibilizar o estigmatizado socialmente, o discriminado. Cerceou a fala do oponente ao sistema, a fala de quem sofre no cotidiano nas palavras e nas imagens “sem a intenção de ofender”!


Rosalia de Oliveira Lemos
Professora do IFRJ
Doutoranda em Política Social UFF

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Nazismo, Rádio, TV e uma conversa de estudantes

Sexta-feira, 13 de abril, estava eu no ônibus Cidade Universitária-Várzea, tranquilamente sentada na parte traseira, quando subiram quatro estudantes da Universidade Federal, que anunciavam, em alto e bom som, cursarem Rádio e TV. A conversa dos jovens brancos (sem preconceito, é só uma descrição literária), vestidos com roupas de classe média, girava em torno da tarefa dada por uma professora do curso de tirar uma foto em B. Sugestões:

Mocinha 1: A gente pode tirar uma foto do CFCH em B, à luz do dia ficaria legal...um risco...
Mocinha 2: Eu acho legal o Recife, apesar de que é meio clichê, tá ligado? Mas é legal.
Rapazinho 1: Blá, blá, blá.
Mocinha 1: Era bom se a gente achasse um mendiguinho lá, kkkkk.
Rapazinho 2: Blá, blá, blá.
Mocinha 2: Acho, sei lá, tem coisa legal lá, tá ligado, as pontes.
Mocinha 1: Só se a gente pagasse um pirraia pra se jogar da ponte e a gente fotografasse, kkkkk.
Rapazinho 1: Isso é muito batido, e ele ia acabar roubando nossas máquinas, kkkkk.
Rapazinho 2: Blá, blá, blá.
Mocinha 2: Pô, máquina analógica ninguém quer mais, tá ligado? Nem vai saber o que é.
Rapazinho 1: Não sabe o que é, mas vai querer roubar, a vida tá difícil, kkkkk.

Atônita (ainda sou capaz de ficar atônita com conversas do tipo), levantei-me bem antes de minha parada. Imagino que fotografias devem ter sido produzidas por aqueles jovens de mentes tão quadradas - ou melhor - enquadradas no mais retrógrado vício da mídia contemporânea: o preconceito, a discriminação, a disseminação de estereótipos.
Acredito que já seja do conhecimento geral que Hitler foi o grande impulsionador da propaganda. Para massificar as imagens-desejo-consumo do arianismo, contratou grandes profissionais, como Leni Riefenstahl, para produzir fotografias e filmes que pretendessem consolidar a ideia da força e supremacia alemã.

Leni Riefenstahl é um marco da fotografia e do cinema contemporâneos. Produziu "Olympia" e o "Triunfo da Vontade", contribuindo enormemente à propaganda nazista. Com uma competência artística ímpar, ainda acha quem a defenda do mal causado.

Ora, direis, mas ainda evocas o nazismo? Não já estamos longe o suficiente daquilo para ter de lembrá-lo a todo instante?
Não, infelizmente não. O objetivo desse blog é justamente demonstrar como a mídia brasileira ainda se pauta, estruturalmente, numa desigualdade disseminada em estereótipos, e como isso não difere daquelas sementes daninhas plantadas outrora.
A propaganda e a publicidade dominantes se entrelaçam no mesmo objetivo: conquistar mentes e corações para ideologias. Ideologias partidárias ou ideologias de consumo, ambas são ideologias de desejos, que utilizam ideais-imagens em que a grande meta final é a "felicidade humana". Um suposto estado de felicidade e bem-estar. E, para tanto, a propaganda e publicidade se utilizam, necessariamente, da imagem e do som, para comover, atiçar, estimular, enervar, acalmar, provocar, conduzir. Fotografias, vídeos, jingles, narrações, formas essencialmente humanas de traduzir sonhos particulares e coletivos, criando e alimentando paixões.
Aqueles jovens no ônibus demonstravam o universo visual que habita em seus ainda estreitos cérebros de jovens recém saídos da adolescência, recém chegados na Universidade. Uma universidade que ainda e quase sempre não se abre a ações de transformação social. E aí cabe pensarmos em que lugar teremos espaço para estimular o pensamento crítico a respeito da sociedade, de modo a examinar o lugar e o serviço da mídia, em especial da publicidade e propaganda, na construção de uma democracia justa e igualitária. Isso é possível?
Uma dica de tarefa de casa, meninos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Racismo de fraldas... descartáveis!


Vocês sabem que um pequeno ser humano consome cerca de 5.500 fraldas descartáveis (sim, cinco mil e quinhentas) nos seus dois primeiros aninhos? O problema não é o troca-troca constante e as noites mal-dormidas, minhas caras e meus caros amig@s. O problema é que essas fraldas duram 450 anos (quatrocentos e cinquenta anos!) para se decomporem na natureza. Enquanto os tatatatataranetos sequer imaginarão seus antepassados de fraldas, ainda lá estarão elas sujando o mundo. E tem mais: são derrubadas cerca de 1 (um) bilhão de árvores por ano para dar conta da indústria das fraldas descartáveis no mundo. Sim, mas o assunto aqui mudou? Não tratávamos de racismo?
Acontece que, pelo visto e contabilizado por esta blogueira que lhes escreve, as fraldas descartáveis não sujam o mundo apenas com seu material plástico e aquele gel que dura centenas de ano amontoando lixo. Nem só derruba bilhões de árvores. No Brasil, a indústria de fraldas descartáveis também suja mentes, semeando estereótipos racistas em suas embalagens. Como nas revistas Pais & Filhos e Crescer, reserva apenas aos bebês brancos o direito do cuidado infantil.

Essa pesquisa me custou mais tempo e observação, por isso a demora em nova postagem no blog. Andarilhei por algumas lojas, farmácias e supermercados, além de fazer um breve levantamento pela internet. Fotografei várias embalagens, baixei algumas do google.

Registrei individualmente 48 embalagens, dentre essas 26 que utilizam imagens de crianças; os da Sapeka, colhi as diversas em conjunto e, como utiliza sempre o mesmo bonequinho, contabilizarei como 01, apenas. Totalizam 27 unidades de imagens humanas em fraldas descartáveis. As outras embalagens utilizam imagens de bichinhos (fraldas Equate, por exemplo) ou de personagens de desenhos animados (Turma da Mônica, Disney, etc.). Essas foram excluídas da análise, por não usarem imagens de bebês humanos.

Pois bem, o caso é o seguinte: dessas 27, amig@s, em apenas 01 aparece um bebê negro e, para não dizerem que sou radical, em outra aparece 01 bebê com leves traços negros - um "mestiço", que pelo critério do IBGE se enquadra na categoria de "pardo", portanto, negro, embora tenha a pele bem clara. Sendo assim, as demais embalagens pesquisadas somam 25 imagens de bebês brancos, impondo os estereótipos de beleza branca. Em termos percentuais, isto significa que, no país das fraldas descartáveis, 92,6% da população ali residente é branca, e apenas 7,4% é negra. Hummm...bem diferente do Brasil, hein?! A população brasileira é feita por cerca de 51% de negras e negros!



Degradar o meio ambiente é uma coisa complexa mesmo. Pensando que também fazemos parte do ambiente, dá pra entender como algo pode ser tão ruim para o solo, para os rios e para os oceanos e, ao mesmo tempo, para os corações humanos. Não há como separar as coisas. O que faz mal à natureza física, faz mal à natureza social.

Mentes e corações também recebem, como a terra, sementes, e delas recebemos os frutos. Em nosso corpo, tão água, temos marés e vazantes, tempestades e bonanças; vento sopra frio ou quente, fogo esfria ou aumenta as nossas emoções. Como ser diferente?

Imaginem, minhas queridas e meus queridos, como algo tão sutilmente singelo, como um pacote de fraldas descartáveis, é um atentado galopante ao meio ambiente em seu sentido mais amplo.
É óbvio, na mídia, que a imagem busca criar um desejo, que leva ao consumo. Consumo de produtos, como fraldas descartáveis, de informações, como revistas.
Desejo e consumo é o que justifica a derrubada de árvores, o aterramento de rios e mangues, a matança de animais para servir aos rodízios de carne. Formando um tríduo crítico, imagem-desejo-consumo fazem a moto contínuo do consumismo de ideias que formatou um modelo impositivo de mídia desde o nazismo. Publicidade e propaganda hoje estão muito a dever a Hitler, pelo sucesso em impor crenças e naturalizar opiniões que sustentam as desigualdades humanas.
Mas antes que falem que o problema é do capitalismo, ressalvo que o consumo de que trato não é meramente o mercadológico; sendo essencialmente ligado à imagem-desejo, o consumo é o fechamento de um ciclo de realização de uma ideia-crença, bem como a recriação de novos ciclos imagem-desejo-consumo que recriam e consolidam tais ideias-crenças, alimentando um completo sistema de hegemonias.


Então, se a gente visualiza essas imagens das fraldas descartáveis, por exemplo; as imagens das revistas Pais & Filhos e Crescer, dentro do cenário midiático criado para artigos infantis - dentre outros elementos desse cenário, que ainda veremos neste blog, podemos pensar em que desejos são cultivados e que espécies de consumos são alimentados. Isso explica em parte, por exemplo, por que o desejo da maioria das pessoas que se cadastram para adotar uma criança tem preferência por bebês brancos.






Imaginem que qualquer pessoa, comprando ou não fraldas descartáveis, está exposta às imagens dessas embalagens ao passar pelos corredores dos produtos de higiene em supermercados; ou ao entrar em uma farmácia; ou mesmo nas grandes lojas populares. Em sua caminhada cotidiana pela satisfação das necessidades básicas - e, pra quem pode, de suas extravagâncias -, tem como pano de fundo um cenário de imagens humanas quase que completamente brancas.

A representação da humanidade "renovada": um batalhão de bebês brancos que parece sair dos sonhos arianos da "purificação racial", em que negros e indígenas (no Brasil) seriam pouco a pouco expurgados da sociedade e, enfim, desaparecidos forçosamente. O que nos alenta, porém, é que esse cenário - infame e criminoso - é fantasioso.
Que a população negra e a população indígena sempre criaram e recriaram modos de resistência, para sua sobrevivência física, sua existência simbólica, por suas identidades individuais e sociais.
Enfim.


Acredito que estamos mais perto que antes de repintar esse cenário. Há um movimento de retorno às fraldas de pano, pela identificação do grande prejuízo que as fraldas descartáveis andam causando à natureza. Sendo a natureza colorida - nunca monocromática -, quem sabe também modifica o cenário racial das embalagens. Aliás, vejam só as novas embalagens das fraldas de pano Cremer, que também, anteriormente, só estampava bebês brancos:


Pois sim, mudar é preciso e renovar é possível!

terça-feira, 20 de março de 2012

O Negro segundo Maurício de Souza

Quando criança, gostava sim da Turma da Mônica. Com a limpeza mental, no entanto, fui percebendo os lances implícitos ali: criar guerrinhas entre meninos e meninas, estímulo à violência,ao bulling, à naturalização do engano, da traição e da mentira e, como sói acontecer, ao racismo. Em primeiro lugar, a ausência negra é gritante. Da turma central, o personagem com características negras é Cascão, pelo cabelo pixaim com que é caracterizado. Ele é o sujo da história (Cascuda, sua namoradinha, é uma sarará; os dois são assim negro-mestiços), o meio bobão que segue Cebolinha em suas sempre frustradas armadilhas para Mônica. Depois, pretendendo utilizar uma linguagem politicamente correta, estendeu a turma para personagens diversificados. Jeremias apareceu como o único preto, ao lado de um japa, de uma menina de cadeira de rodas, de um cego... e por ali foi, aparentemente atentos à já tão propalada diversidade. Mas apenas dois negro-mestiços e um preto, salvo engano, dentre dezenas de personagens brancos. Assim, nunca incluí a Turma da Mônica entre os desenhos ou revistas pra minha filha, que inevitavelmente acabou por acessá-la por fonte indireta. Fazer o quê. Foi então que meu ativismo passou por um instante de desatenção e, pumba!, expus voluntariamente a minha filha à semeadura do racismo em sua tenra mentezinha. Neste derradeiro domingo, fui à livraria com a filhota, meu companheiro e seu filho, onde lhe disse poder escolher à vontade um livro para comprar. Ela escolheu "O Gênio e as Rosas e outros contos", da Editora Globo, uma parceria de Paulo Coelho, autor das histórias, e Maurício de Souza e Maurício de Souza Produções Ltda., publicado em 2010. Torci o nariz, pensei...folheei as histórias e gostei das que eu li, sempre trazendo boas e humanas mensagens espirituais. Então decidi não radicalizar e levar o livro mesmo.
Mas eis que, lendo conto a conto nesses dias, deparo com algo aterrorizante. Uma história sobre o Mal e o Guerreiro de Luz. Não, o problema não é falar sobre o Mal, afinal a história quer falar da vitória do tal Guerreiro de Luz, representado pelo negro de pele clara, Cascão. O problema está nisto:
O mal é apresentado por uma imagem que representa um homem negro, de pele escura e nariz largo. Ora, direis, não será um certo exagero pensar que isso seria deliberado? Então percebam a representação do Bem neste mesmo livro, pelo personagem do Anjinho da Turma:
O anjo, o Bem, é branco, loiro e de olhos azuis. Tudo bem, isso não é novidade em Maurício de Souza. Há muito o movimento negro denuncia essa representação discriminatória nos quadrinhos da Turma da Mônica. Mas, vamos combinar, depois de tanta coisa dita, já entrando na segunda década do século XXI... ainda fazer essa representação de extremo teor racista do Mal sendo uma pessoa negra e o Bem sendo uma pessoa branca?
Fechei o livro lamentando a minha distração. Melhor correr o risco do exagero que incorrer no erro da alimentação da ideologia racista na mente de uma criança. Imaginem o que fica gravado nos olhos de qualquer criança que olhe para uma imagem negra representada como o mal e uma imagem branca representada como o bem. O que isto semeia no suave coração infantil?

quarta-feira, 14 de março de 2012

Direito de nascer e de crescer

Realmente, essa Revista Pais & Filhos é um absurdo de racista. Melhor comprar outra pra ler coisas interessantes a respeito de noss@s rebent@s. Uma revista que traga a imagem da existência negra, que tenha em seu universo de cuidado infantil nossos bebês negros. Não é? Que tal a Revista Crescer, da Editora Globo?
Essas revistas Crescer são do mesmo período das capas coletadas da Pais & Filhos, demonstradas retrospectivamente de março de 2012 a março de 2011. A opção que fiz por colocar 13 meses, e não os 12 de um ano, é por compreender que o 13º é abertura de um novo ciclo. Fica a indagação se nesse novo ciclo, com nossas denúncias e mensagens às editoras - quem sabe - poderemos ver algo diferente nas bancas de revista. Ora, direis, quem precisa delas? Bem, eu, realmente, não preciso delas para criar a minha filha, nem aconselhar afilhad@s e sobrinh@s. Mas é algo além do consumo, muito além. Trata-se do cenário de nossa sociedade. Todas as imagens midiáticas nos rodeiam e nos acompanham no dia-a-dia, cada vez mais, em todos os instantes de nossa vida em vigília. Quiçá nos acompanham nos sonhos também. Cada vez mais, as cenas televisivas, outdoors, capas de revistas que se estampam em nossos olhos na passagem mais rápida pelas ruas, embalagens, cadernos, livros, o tempo todo e em todo lugar. Imagem e som. Comprando ou não tais revistas, elas estão aí impondo um desejo. Aí é que está.