Encrespando

"Encrespar", na minha terra, dá a ideia de incômodo, de indignação, de alguém que deu um salto de seu lugar de conforto por algo que o incomodou. Já "alisar" é usado com a conotação de quando alguém é condescendente com algo.
Encrespo e não aliso! é um blog feito para relatar o incômodo do racismo em nossa sociedade, especialmente manifesto pela mídia e literatura voltadas ao público infantil. Sem condescendências.
Minha filha me ensinou, desde seus primeiros movimentos, a concentrar a energia de criação e a buscar a gênese. Sim, pretensiosamente, hoje, tenho um alvo mais profundo que as raízes do racismo: a sua semente. Para que não fecunde os corações das novas pessoas, dessas crianças que são nossos filhos e filhas; para que não dê mais frutos, aquelas sementes não podem mais encontrar solos férteis para renascerem racismos no mundo.
Estou mais silenciosa, mas a mente fervilha, tendo em sua grande tela a imagem de um jardim de flores multicoloridas.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Pais & Filhos: revista totaliza dois anos e meio sem nenhuma criança negra em capa

Demorei mas voltei. Eu, como blogueira, sou uma ótima mãe, afinal minha distância tem nome: filhos. Melhor, filha e filho. Mas eu já tinha uma postagem guardada na mente, meses a fio só admirando como o racismo se desenrola sem vergonha nas nossas caras, mesmo com tudo pra ser diferente.
Quem acompanha o blog há de lembrar que as postagens mais comentadas e lidas foram aquelas das revistas cujo assunto são crianças: Crescer e Pais & Filhos. Foram 13 meses a fio sem uma única criança negra na capa, no período de março de 2011 a março de 2012. Fiquei grávida, tive meu filhote, computador quebrou, deu vírus, mas eu continuava na vigilância e via que nada mudava. Será que a nossa indignação, que ainda foi publicada em outros blogs do movimento negro e em algumas postagens no facebook, seria de algum modo ouvida pelas editorias das revistas em questão?
Qual o quê! Observem e se pasmem como o Brasil-criança está tão loiramente representado pela revista:


Vejam a postagem de 13 de março de 2012 e percebam que já ponho a capa de mar/2012, que é esta que inicia a amostra de hoje. O período total de capas analisadas na primeira postagem e nesta vai de março de 2011 a setembro de 2013, e o resultado é exatamente este: são dois anos e meio de publicação sem nenhuma criança negra na foto de capa. Nenhuma. A totalidade branca só não é absoluta por um bebê oriental na capa de out/2012. Percentualmente, isso significa que das capas da revista Pais&Filhos, em um período pelo menos de dois anos e meio (acreditem, certamente em um período bem maior que isso), 96,8% foram ilustradas por fotos de crianças brancas e 3,2% por foto de criança oriental. Absolutamente nenhum(a) negro(a), nenhum(a) índio(a).
Mais um detalhe. Só na amostra das 19 capas desta postagem, de março de 2012 a setembro de 2013 há apenas 3 crianças-capas de cabelos escuros - incluindo o oriental. O restante, 16, todo representado por crianças loiras. Percentualmente: 84,3% de crianças loiras para 15,7% de crianças de cabelos escuros, o que numericamente quer dizer que não basta ser branco, tem de ser loiro também para cumprir o modelo racista de "bebê fofo", próprio de capa de revista. Revista racista, obviamente.
O cinismo vai se apurando conforme a postura racista da editoria da revista se confirma. Não há outra razão - diga-se bem alto - NÃO HÁ OUTRA RAZÃO de, num país em que mais da metade da população é negra, haver 0% de crianças negras nas capas de uma revista nacional, se não for por racismo.
Vamos lembrar mais uma vez? Racismo é crime e violação de Direitos Humanos.
Eu sou mãe de duas crianças e a revista Pais & Filhos não me representa.