Encrespando

"Encrespar", na minha terra, dá a ideia de incômodo, de indignação, de alguém que deu um salto de seu lugar de conforto por algo que o incomodou. Já "alisar" é usado com a conotação de quando alguém é condescendente com algo.
Encrespo e não aliso! é um blog feito para relatar o incômodo do racismo em nossa sociedade, especialmente manifesto pela mídia e literatura voltadas ao público infantil. Sem condescendências.
Minha filha me ensinou, desde seus primeiros movimentos, a concentrar a energia de criação e a buscar a gênese. Sim, pretensiosamente, hoje, tenho um alvo mais profundo que as raízes do racismo: a sua semente. Para que não fecunde os corações das novas pessoas, dessas crianças que são nossos filhos e filhas; para que não dê mais frutos, aquelas sementes não podem mais encontrar solos férteis para renascerem racismos no mundo.
Estou mais silenciosa, mas a mente fervilha, tendo em sua grande tela a imagem de um jardim de flores multicoloridas.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Nazismo, Rádio, TV e uma conversa de estudantes

Sexta-feira, 13 de abril, estava eu no ônibus Cidade Universitária-Várzea, tranquilamente sentada na parte traseira, quando subiram quatro estudantes da Universidade Federal, que anunciavam, em alto e bom som, cursarem Rádio e TV. A conversa dos jovens brancos (sem preconceito, é só uma descrição literária), vestidos com roupas de classe média, girava em torno da tarefa dada por uma professora do curso de tirar uma foto em B. Sugestões:

Mocinha 1: A gente pode tirar uma foto do CFCH em B, à luz do dia ficaria legal...um risco...
Mocinha 2: Eu acho legal o Recife, apesar de que é meio clichê, tá ligado? Mas é legal.
Rapazinho 1: Blá, blá, blá.
Mocinha 1: Era bom se a gente achasse um mendiguinho lá, kkkkk.
Rapazinho 2: Blá, blá, blá.
Mocinha 2: Acho, sei lá, tem coisa legal lá, tá ligado, as pontes.
Mocinha 1: Só se a gente pagasse um pirraia pra se jogar da ponte e a gente fotografasse, kkkkk.
Rapazinho 1: Isso é muito batido, e ele ia acabar roubando nossas máquinas, kkkkk.
Rapazinho 2: Blá, blá, blá.
Mocinha 2: Pô, máquina analógica ninguém quer mais, tá ligado? Nem vai saber o que é.
Rapazinho 1: Não sabe o que é, mas vai querer roubar, a vida tá difícil, kkkkk.

Atônita (ainda sou capaz de ficar atônita com conversas do tipo), levantei-me bem antes de minha parada. Imagino que fotografias devem ter sido produzidas por aqueles jovens de mentes tão quadradas - ou melhor - enquadradas no mais retrógrado vício da mídia contemporânea: o preconceito, a discriminação, a disseminação de estereótipos.
Acredito que já seja do conhecimento geral que Hitler foi o grande impulsionador da propaganda. Para massificar as imagens-desejo-consumo do arianismo, contratou grandes profissionais, como Leni Riefenstahl, para produzir fotografias e filmes que pretendessem consolidar a ideia da força e supremacia alemã.

Leni Riefenstahl é um marco da fotografia e do cinema contemporâneos. Produziu "Olympia" e o "Triunfo da Vontade", contribuindo enormemente à propaganda nazista. Com uma competência artística ímpar, ainda acha quem a defenda do mal causado.

Ora, direis, mas ainda evocas o nazismo? Não já estamos longe o suficiente daquilo para ter de lembrá-lo a todo instante?
Não, infelizmente não. O objetivo desse blog é justamente demonstrar como a mídia brasileira ainda se pauta, estruturalmente, numa desigualdade disseminada em estereótipos, e como isso não difere daquelas sementes daninhas plantadas outrora.
A propaganda e a publicidade dominantes se entrelaçam no mesmo objetivo: conquistar mentes e corações para ideologias. Ideologias partidárias ou ideologias de consumo, ambas são ideologias de desejos, que utilizam ideais-imagens em que a grande meta final é a "felicidade humana". Um suposto estado de felicidade e bem-estar. E, para tanto, a propaganda e publicidade se utilizam, necessariamente, da imagem e do som, para comover, atiçar, estimular, enervar, acalmar, provocar, conduzir. Fotografias, vídeos, jingles, narrações, formas essencialmente humanas de traduzir sonhos particulares e coletivos, criando e alimentando paixões.
Aqueles jovens no ônibus demonstravam o universo visual que habita em seus ainda estreitos cérebros de jovens recém saídos da adolescência, recém chegados na Universidade. Uma universidade que ainda e quase sempre não se abre a ações de transformação social. E aí cabe pensarmos em que lugar teremos espaço para estimular o pensamento crítico a respeito da sociedade, de modo a examinar o lugar e o serviço da mídia, em especial da publicidade e propaganda, na construção de uma democracia justa e igualitária. Isso é possível?
Uma dica de tarefa de casa, meninos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Racismo de fraldas... descartáveis!


Vocês sabem que um pequeno ser humano consome cerca de 5.500 fraldas descartáveis (sim, cinco mil e quinhentas) nos seus dois primeiros aninhos? O problema não é o troca-troca constante e as noites mal-dormidas, minhas caras e meus caros amig@s. O problema é que essas fraldas duram 450 anos (quatrocentos e cinquenta anos!) para se decomporem na natureza. Enquanto os tatatatataranetos sequer imaginarão seus antepassados de fraldas, ainda lá estarão elas sujando o mundo. E tem mais: são derrubadas cerca de 1 (um) bilhão de árvores por ano para dar conta da indústria das fraldas descartáveis no mundo. Sim, mas o assunto aqui mudou? Não tratávamos de racismo?
Acontece que, pelo visto e contabilizado por esta blogueira que lhes escreve, as fraldas descartáveis não sujam o mundo apenas com seu material plástico e aquele gel que dura centenas de ano amontoando lixo. Nem só derruba bilhões de árvores. No Brasil, a indústria de fraldas descartáveis também suja mentes, semeando estereótipos racistas em suas embalagens. Como nas revistas Pais & Filhos e Crescer, reserva apenas aos bebês brancos o direito do cuidado infantil.

Essa pesquisa me custou mais tempo e observação, por isso a demora em nova postagem no blog. Andarilhei por algumas lojas, farmácias e supermercados, além de fazer um breve levantamento pela internet. Fotografei várias embalagens, baixei algumas do google.

Registrei individualmente 48 embalagens, dentre essas 26 que utilizam imagens de crianças; os da Sapeka, colhi as diversas em conjunto e, como utiliza sempre o mesmo bonequinho, contabilizarei como 01, apenas. Totalizam 27 unidades de imagens humanas em fraldas descartáveis. As outras embalagens utilizam imagens de bichinhos (fraldas Equate, por exemplo) ou de personagens de desenhos animados (Turma da Mônica, Disney, etc.). Essas foram excluídas da análise, por não usarem imagens de bebês humanos.

Pois bem, o caso é o seguinte: dessas 27, amig@s, em apenas 01 aparece um bebê negro e, para não dizerem que sou radical, em outra aparece 01 bebê com leves traços negros - um "mestiço", que pelo critério do IBGE se enquadra na categoria de "pardo", portanto, negro, embora tenha a pele bem clara. Sendo assim, as demais embalagens pesquisadas somam 25 imagens de bebês brancos, impondo os estereótipos de beleza branca. Em termos percentuais, isto significa que, no país das fraldas descartáveis, 92,6% da população ali residente é branca, e apenas 7,4% é negra. Hummm...bem diferente do Brasil, hein?! A população brasileira é feita por cerca de 51% de negras e negros!



Degradar o meio ambiente é uma coisa complexa mesmo. Pensando que também fazemos parte do ambiente, dá pra entender como algo pode ser tão ruim para o solo, para os rios e para os oceanos e, ao mesmo tempo, para os corações humanos. Não há como separar as coisas. O que faz mal à natureza física, faz mal à natureza social.

Mentes e corações também recebem, como a terra, sementes, e delas recebemos os frutos. Em nosso corpo, tão água, temos marés e vazantes, tempestades e bonanças; vento sopra frio ou quente, fogo esfria ou aumenta as nossas emoções. Como ser diferente?

Imaginem, minhas queridas e meus queridos, como algo tão sutilmente singelo, como um pacote de fraldas descartáveis, é um atentado galopante ao meio ambiente em seu sentido mais amplo.
É óbvio, na mídia, que a imagem busca criar um desejo, que leva ao consumo. Consumo de produtos, como fraldas descartáveis, de informações, como revistas.
Desejo e consumo é o que justifica a derrubada de árvores, o aterramento de rios e mangues, a matança de animais para servir aos rodízios de carne. Formando um tríduo crítico, imagem-desejo-consumo fazem a moto contínuo do consumismo de ideias que formatou um modelo impositivo de mídia desde o nazismo. Publicidade e propaganda hoje estão muito a dever a Hitler, pelo sucesso em impor crenças e naturalizar opiniões que sustentam as desigualdades humanas.
Mas antes que falem que o problema é do capitalismo, ressalvo que o consumo de que trato não é meramente o mercadológico; sendo essencialmente ligado à imagem-desejo, o consumo é o fechamento de um ciclo de realização de uma ideia-crença, bem como a recriação de novos ciclos imagem-desejo-consumo que recriam e consolidam tais ideias-crenças, alimentando um completo sistema de hegemonias.


Então, se a gente visualiza essas imagens das fraldas descartáveis, por exemplo; as imagens das revistas Pais & Filhos e Crescer, dentro do cenário midiático criado para artigos infantis - dentre outros elementos desse cenário, que ainda veremos neste blog, podemos pensar em que desejos são cultivados e que espécies de consumos são alimentados. Isso explica em parte, por exemplo, por que o desejo da maioria das pessoas que se cadastram para adotar uma criança tem preferência por bebês brancos.






Imaginem que qualquer pessoa, comprando ou não fraldas descartáveis, está exposta às imagens dessas embalagens ao passar pelos corredores dos produtos de higiene em supermercados; ou ao entrar em uma farmácia; ou mesmo nas grandes lojas populares. Em sua caminhada cotidiana pela satisfação das necessidades básicas - e, pra quem pode, de suas extravagâncias -, tem como pano de fundo um cenário de imagens humanas quase que completamente brancas.

A representação da humanidade "renovada": um batalhão de bebês brancos que parece sair dos sonhos arianos da "purificação racial", em que negros e indígenas (no Brasil) seriam pouco a pouco expurgados da sociedade e, enfim, desaparecidos forçosamente. O que nos alenta, porém, é que esse cenário - infame e criminoso - é fantasioso.
Que a população negra e a população indígena sempre criaram e recriaram modos de resistência, para sua sobrevivência física, sua existência simbólica, por suas identidades individuais e sociais.
Enfim.


Acredito que estamos mais perto que antes de repintar esse cenário. Há um movimento de retorno às fraldas de pano, pela identificação do grande prejuízo que as fraldas descartáveis andam causando à natureza. Sendo a natureza colorida - nunca monocromática -, quem sabe também modifica o cenário racial das embalagens. Aliás, vejam só as novas embalagens das fraldas de pano Cremer, que também, anteriormente, só estampava bebês brancos:


Pois sim, mudar é preciso e renovar é possível!